quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

A bênção do comboio

Ao arrumar os meus arquivos de "recortes" dei com este que merece a pena relembrar :



Quando da inauguração do comboio da Ponte sobre o Tejo o governo de então convidou o bispo de Setúbal para dar a sua bênção. Coisa aliás a que não se assistia já há anos ! Mas deu-se.


Alguém se lembrou então de um Poema de Guerra Junqueiro, da VELHICE DO PADRE ETERNO, "A Bênção da Locomotiva."


E este. Fica mesmo a calhar...



A BÊNÇÃO DA LOCOMOTIVA


A obra está completa. A máquina flameja

desenrolando o fumo em ondas pelo ar.

Mas antes de partir, mandam chamar a Igreja,

que é preciso que um bispo a venha batizar.


Como ela é com certeza o fruto de Caim,

a filha da razão, da independência humana,

botem-lhe na fornalha uns trechos de latim,

e convertam-na à fé católica roamana.


Devem nele existir diabólicos pecados,

porque é feita de cobre e ferro, e estes metais

saiem da natureza, ímpios, excomungados,

como saímos nós dos ventres maternais !


Vamos, esconjurai-lhe o demo que ela encerra,

extraí a heresia do aço lampejante !

Ela acaba de vir das forjas d'Inglaterra,

e há de ser com certeza um pouco protestante.


Para que o monstro corra em férvido galope,

como um sonho febril, num doido turbilhão,

além do maquinista é necessário o hissope

e muita teologia... além d'algum carvão.


Atirem-lhe uma hóstia à boca famulenta,

preguem-lhe alguns sermões, ensinem-lhe a rezar,

e lancem na caldeira um jarro d'água benta,

que com água do céu talvez não possa andar.

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